Luto: Processo de ressignificação

A vida é feita de momentos felizes, de conquistas, comemorações e alegrias. Mas também se faz de perdas e de momentos de silêncio, de dor e de tristeza. Dentre estes momentos, possivelmente o pior deles, é quando se perde alguém que se ama. A perda de alguém próximo, independente da causa da morte ou da idade que tinha, provoca nos familiares e amigos próximos um sentimento de vazio e sofrimento. A dor é subjetiva, pessoal e intransferível, apenas podendo ser medida pelo próprio sujeito e comparada consigo mesmo ao longo do tempo. Comparações externas não são produtivas e não se pode tentar estabelecer paralelos para as diferentes perdas entre diferentes pessoas. A dor da ausência precisa ser vivida para que, com o tempo, possa haver a resolução do processo de luto e a retomada da própria vida.

Diante da ocorrência do falecimento de um familiar ou pessoa próxima, são comuns reações de choque, de negação, demonstrações de raiva e de desespero. O choque constitui-se na reação dos momentos iniciais após o recebimento da notícia, quando a pessoa custa a acreditar no que lhe está sendo dito. Dura de segundos a alguns minutos e geralmente está acompanhado de embotamento emocional ou de extrema ansiedade. Passado o choque, é comum o enlutado reagir tentando negar o ocorrido, constituindo-se uma fase inicial de vivência do luto. Neste momento, é possível que a pessoa tente se certificar de que a informação recebida tem procedência, buscando outros meios ou outros informantes. É um momento importante para a assimilação da informação da perda, um espaço de tempo em que, ao mesmo tempo em que se busca negar que o outro possa ter partido vai tendo início a aceitação do fato. Quando a negação dá espaço para a aceitação da morte do outro, são comuns as expressões de sentimentos de tristeza, medo, desamparo, choro, também de desespero e raiva. Deve-se permitir que as expressões de raiva aconteçam e sejam externadas, sendo que a raiva pode ser direcionada a Deus ou uma Força Maior – por permitir a morte do ente querido; a violência ou ao agressor – em dependência da causa; ou ao próprio falecido, num gesto desesperado de responsabilizar a quem se foi por privar a quem fica de sua presença. Para que haja a resolução de um processo de luto saudável, é preciso que todos os sentimentos possam ser expressados e que haja espaço para que aconteçam, sem recriminações ou cobranças.

A participação nos rituais que envolvem a despedida e preparação para o sepultamento ou cremação, em consonância com as crenças e a cultura de cada família, por mais difíceis e tristes que sejam, auxilia na organização de sentimentos em relação ao falecido e à perda, bem como facilitam o entendimento e a simbolização do acontecimento para a elaboração do luto. Parte da cultura brasileira, o velório é um espaço organizado tanto para as despedidas daquele que partiu, como também é onde se dá a expiação de culpas – aqueles pedidos de perdão ao falecido que não puderam ser feitos em vida, por inúmeras razões; sendo ainda possível às pessoas oferecerem apoio à família enlutada. Após o sepultamento e o retorno para casa tem início um período difícil de conviver com a ausência cotidiana.

O processo de luto é subjetivo e não pode ser delimitado por agentes externos ao próprio indivíduo – nem na sua duração ou em sua intensidade. É sabido que o primeiro ano após a perda tem uma significação diferenciada, já que todas as datas importantes para a família serão celebradas, pela primeira vez, sem a presença do falecido. Ao completar um ano do falecimento, um ciclo se fecha, mas não se pode determinar que o período de enlutamento corresponda, necessariamente, a 365 dias. Um luto patológico pode aparecer antes deste período ou quando há um processo de luto não resolvido e que se estende muitos anos após a perda. Há muitas variáveis que podem determinar um luto patológico, entre elas características de personalidade do enlutado, problemas psicológicos/mentais anteriores à perda, existência de sentimento de culpa ou de conflitos não resolvidos, assim como o grau de envolvimento e tipo de relação entre o enlutado e quem faleceu e que podem ser melhor avaliados por um profissional da área da psicologia, necessitando de intenso apoio e acompanhamento profissional especializado para a sua resolução.

Socialmente há obrigações a cumprir e são concedidos ao enlutado apenas alguns dias após a perda para retomar suas atividades. Voltar ao trabalho, à escola, às atividades diárias requer uma
dose de força extra nos primeiros dias. O apoio das pessoas próximas é essencial e a discussão sobre os fatos, com espaço para a expressão e o compartilhamento de sentimentos ajuda no encaminhamento de um luto saudável. Para seguir em frente e voltar à rotina é importante que haja a ressignificação daquele que partiu e que, desta forma, não está mais presente na rotina e nas decisões do grupo. Não há um manual com indicação de quando as coisas devem acontecer: a hora de tirar as roupas do armário, de “mexer nas coisas do falecido”, mas fato é que é preciso seguir adiante. As pessoas que conviviam com quem faleceu precisam reorganizar suas atividades e rotina, redimensionando os papéis e as atividades que deverão ser desempenhadas pelos familiares e isso em meio ao sentimento de perda, ausência e vazio. Atividades anteriormente realizadas pelo falecido precisam ser redistribuídas entre os viventes e isso não significa destituí-lo de seu valor e nem anular sua história dentro daquela família, apenas significa que para que todos possam seguir em frente é necessário que alguém assuma as obrigações que o falecido tinha junto àquelas pessoas. Colocar um prato a mais à mesa, por exemplo, pode acontecer ainda algum tempo após a perda, visto que os “sobreviventes” estão ainda se acostumando à rotina com a ausência de um dos membros daquele grupo.

Com o passar do tempo a tristeza e a dor inicial vão sendo substituídas pela lembrança saudosa, conseguindo-se, após um tempo, lembrar de fatos interessantes e engraçados protagonizados pelo falecido. A retomada das atividades de cada um e do grupo como um todo, gradativamente, vai redirecionando todos em relação a seus sentimentos, reorganizando a estrutura da família e ressignificando aquele que faleceu, permitindo ser lembrado e integrado ao grupo de uma nova maneira.

Adriana Soczek Sampaio
Psicóloga – CRP 08/7684